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Microcefalia gera alerta para gravidez

 Aumento de nascimento de bebês com cérebro abaixo do normal muda rotina nos consultórios; rede de assistência de saúde para mulheres do interior pode ser um problema

Foto: Teresa Maia/ DP/ DA Press Quando uma mulher em idade fértil chega ao consultório particular da obstetra Gláucia Guerra cogitando a possibilidade de engravidar, ela diz categoricamente: “Não é o momento propício. Estamos passando por uma epidemia”. Começam as perguntas: “Até quando devo esperar?”, questionam as pacientes, diante da notícia de que precisam postergar o sonho. Dra. Gláucia, médica do Recife que também atua no serviço de gestação patológica de alto risco do Imip, continua: “No mínimo, dois meses”. Ou, avança na explicação, até que se investigue o fenômeno alarmante de crianças nascidas com microcefalia, uma anomalia em que o cérebro do bebê é menor do que o esperado para a idade e que causa comprometimento neurológico e disfunções no desenvolvimento da criança.

Dra. Jeanine Trindade, com experiência de 32 anos em ginecologia e obstetrícia, não é radical mas já tratou de elaborar um panfleto para atender à necessidade do momento. “Nunca vi numa situação dessas. É muito séria e, ao que parece, a epidemia que gerou esses casos não vê classe social”, comenta Jeanine. Há dez dias ela distribui as orientações para grávidas ou mulheres com interesse em engravidar tanto do consultório particular no bairro do Espinheiro quanto do centro de atendimento de alto risco do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam). Diz para que se redobre atenções quanto à exposição de mosquitos, não se tenha contato com água parada, se use com frequência repelentes permitidos, ou se adote o uso de velas de andirobas, ventiladores e ar condicionados para espantar supostos vetores de vírus. Meias e calças tipo legging são recomendadas nessa força-tarefa para evitar novos casos.

Por esses e outros depoimentos, há indicativos de que a rotina prática de alguns médicos foi alterada após o enorme aumento do número de casos de microcefalia que tem sido detectado. É a primeira consequência direta da grave descoberta. As famílias passam a temer pelo futuro de seus filhos, os obstetras tomam providências mínimas porque não se sabe o agente causador, os pediatras buscam explicações para um fenômeno tão atípico e de tamanha proporção. Os neurologistas pensam no nível de comprometimento de cada bebê para, então, cuidar dos que chegam aos consultórios. Os governos federal, estadual e municipal se apressam para tomar pé da situação com regras para notificação e precisam montar estrutura gigantesca para lidar com as crianças. Algumas precisarão de fisioterapia. Outras podem ter prejuízos cognitivos, motor, de visão.... Não há cura para a microcefalia, apesar de o tratamento ter capacidade de melhorar a qualidade de vida do paciente.
 
Por certo, o alerta e a tensão serão redobrados após o Ministério da Saúde decretar ontem estado de emergência sanitária no Brasil, em função dos casos de Pernambuco. Já foram notificados 141 bebês nascidos com suspeita de microcefalia somente este ano no estado. A média de 2011 a 2014 é de apenas nove. Jeanine Trindade agora anda com uma tabela sobre medidas do diâmetro do cérebro por idade do bebê na bolsa e a espalhou pelo centro onde trabalha.

Minhas principais dúvidas são relativas à rede (ou na precariedade dela) de assistência de saúde com a qual uma gestante ou mulher do interior pode contar. É um assunto mais que pertinente porque os casos notificados aqui em Pernambuco (estado com maior número) foram verificados em 42 municípios diferentes. A microcefalia pode, em tese, ser diagnosticada quando o bebê ainda estiver na barriga. Equipamentos de ultrassonografias existem em algumas unidades públicas nas cidades de menor porte e na rede particular o exame não é dos mais caros na rede privada. O problema é a qualidade do diagnóstico feito a partir das imagens. Dra. Jeanine confirma que há razão para pensar nesse viés: “As mulheres geralmente chegam aqui com o exame, mas o ultrassonografista não correlacionou as informações ou o obstetra não olhou a tabela de crescimento no pré-natal”, comenta ela.

Sabe-se que especialistas são escassos no interior. Grande parte do pré-natal em Pernambuco, e no Nordeste sobretudo, vem sendo feito por profissionais das unidades de saúde da família. Seja por um médico generalista ou enfermeiro. Quase nunca um obstetra no caso de uma gestante; ou um pediatra, no caso de uma criança recém-nascida. As mulheres só são encaminhadas a um acompanhamento mais próximo quando se nota gestação de alto risco. Há uma preocupação de não se gerar pânico na população. Ao mesmo tempo os profissionais de saúde estão inseguros porque todas as possibilidades quanto ao agente causador (entre elas, o vírus tipo zika ou dengue e o uso de agentes químicos) são apenas hipóteses.
Estou com o coração partido com as notícias mais recentes. Por trás do crescimento de casos de microcefalia há uma lista de mães e pais que sofrem ou temem por seus filhos, que vivem hoje na inquietude perante o desconhecido.

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